Brazilian Journal of Anesthesiology
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Letter to the Editor

Succinilcolina: 50 anos de soberania

Maria Cristina Simões de Almeida

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Resumo

Senhor Editor,

A succinilcolina foi introduzida na prática clínica em 1951 1 e, a despeito de seus inúmeros para-efeitos, continua sendo empregada até os dias atuais.

A incidência de complicações graves, tais como o desencadeamento da Síndrome da Hipertermia Maligna e a hipercalemia fatal, tem levado os pesquisadores a buscar novos agentes do tipo não-despolarizante. Assim foram introduzidos no mercado o rocurônio e o rapacurônio, o primeiro um agente de duração intermediária e o segundo classificado como esteróide de curta duração.

A instalação rápida nas cordas vocais e a relativa estabilidade cardiovascular vem consagrando o rocurônio para uso em estômago cheio 2-6. Primeiramente se preconizou o uso de doses de 0,6 mg.kg-1 para intubação traqueal 5,7,8 com relatos de sucesso de intubação semelhantes ao obtido com a succinilcolina. Com o evoluir das observações clínicas e das pesquisas, concluiu-se que doses de 1 mg.kg-1 ou mesmo doses superiores a 2 mg.kg-1 devem ser empregadas quando se deseja garantia de tempo e de condições de intubação semelhantes as registradas com a succinilcolina 3,9-15. No entanto, a despeito de se obter excelentes condições de intubação traqueal, essas altas doses de rocurônio implicam em uma duração de ação expressivamente maior, limitando o uso da técnica em procedimentos curtos 14. Outro ponto de merece ser considerado é a indicação do rocurônio a pacientes com sinais clínicos ou história de possibilidade de intubação traqueal difícil. Nesses casos é preferível a opção por outras técnicas que assegurem as vias aéreas permeáveis, pois a duração prolongada impõe riscos ao paciente 4.

A presença de reações anafiláticas, que pareciam ser mais freqüentes com o uso da succinilcolina, está merecendo atenção de especialistas no assunto (H 63, Laxenaire Besfast). Nos últimos 2 anos, na França, o maior número de reações alérgicas tem sido observado com o rocurônio, ultrapassando o número de casos com a succinilcolina, atracúrio, mivacúrio e com o vecurônio 16.

O rapacurônio, um bloqueador neuromuscular adespolarizante que não chegou a ser lançado no Brasil, apresenta um início de ação muito rápido, e doses de 1,5 mg.kg-1 propiciam excelentes ou boas condições de intubação traqueal 17,18, com uma duração de ação considerada curta 18. No entanto, após alguns meses de uso clínico, já se observou a alta incidência de complicações graves, como o broncoespasmo de origem não totalmente esclarecida 19-21. Outro ponto que suscitou cautela é o seu mecanismo de ação, identificado como uma "redistribuição". Drogas que dependem de redistribuição para seu término de efeito estão sujeitas a serem convertidas em fármacos de duração prolongada, na dependência da dose e de doenças associadas 18. A despeito desse produto ter como grande vantagem o rápido início de ação e reversão com graus profundos de relaxamento, os efeitos cardiovasculares e a presença de metabólitos ativos em regimes de infusão contínua, igualmente limitaram o uso clínico do rapacurônio. Aparentemente todos esses fatos levaram o fabricante a suspender a comercialização do produto.

Há novas drogas em fase de pesquisa em animais, promissoras no que tange a substituição da succinilcolina e para reversão rápida do rocurônio empregado em doses altas. Trata-se do TAAC 3 e do ORG 25 969. A primeira é um derivado éster di-tropinil formada por 3 isômeros que, em animais de laboratório, mostrou um início de ação até mais breve do que o da succinilcolina e um índice de recuperação em torno de 0,84 minutos versus 2,4 minutos observados com a succinilcolina 22,23. Esse novo composto apresenta efeitos cardiovasculares dose dependentes, caracterizados por resposta bifásica: hipotensão seguida de hipertensão arterial, que não necessita intervenção farmacológica 24.

O ORG 25 969 é uma ciclodextrina, mais precisamente uma  ciclodextrina, composta por 8 moléculas de açúcar no seu anel principal. Mostrou, em macaco Rhesus, uma reversão imediata do bloqueio motor por mecanismo que implica em formação de complexos moleculares com os bloqueadores neuromusculares do tipo esteroidal. Esse mecanismo de ação é único entre os agentes reversores, e como tal, pode ser administrado em graus profundos de relaxamento muscular. É o verdadeiro "antagonista" dos bloqueadores neuromusculares. Dentre as vantagens do seu uso cita-se a reversão rápida, a prevenção da curarização residual com conseqüente redução nas complicações pulmonares pós-operatórias, ausência de efeitos muscarínicos ou nicotínicos secundários a administração de atropina ou neostigmina e fracos efeitos hemodinâmicos 25-27.Cabem ainda os estudos em seres humanos, principalmente no que tange às interações medicamentosas 27.

O emprego do rocurônio para assegurar o controle das vias aéreas implica em administração de doses altas com conhecidas repercussões clínicas, e a despeito do largo uso desse relaxante para intubação traqueal rápida, efeitos indesejáveis tem sido descritos. Com a saída do rapacurônio do mercado, e enquanto não se estabelece posição definitiva para o TAAC 3 e para o ORG 25 969, a succinilcolina permanece soberana para uso em emergências médicas.

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