Análise de dados com medidas dependentes em estudos clínicos e experimentais
Analysis of data with dependent measures in clinical and experimental studies
Hélio Amante Miot
Diversos desenhos de pesquisa analisam o mesmo sujeito (ou unidade experimental) em diferentes situações ou sob condições repetidas (
Didaticamente, há quatro abordagens analíticas diferentes, baseadas no conceito da “mudança” entre as medidas, que direcionam a análise estatística segundo técnicas diferentes e que podem gerar conclusões distintas a partir do mesmo conjunto de dados. São elas (i) a identificação de mudança, (ii) a comparação da mudança absoluta das medidas, (iii) a comparação da mudança relativa das medidas e (iv) a mudança dos valores para um desfecho específico.
Para exemplificar essas abordagens, a
Estatística descritiva | Tratamento A | Tratamento B | Tratamento C |
---|---|---|---|
D0*, § | 15,5 (3,0) | 15,6 (2,8) | 17,1 (2,5) |
D120*, §§ | 3,5 (3,0) | 2,4 (2,0) | 2,5 (1,9) |
Avaliação da mudança | Tratamento A | Tratamento B | Tratamento C |
D0-D120** | 12,0 (11,5-12,5) | 13,1 (12,7-13,6) | 14,6 (13,8-15,4) |
Valor de p† | <0,001 | <0,001 | <0,001 |
Diferença absoluta | Tratamento A | Tratamento B | Tratamento C |
Redução da área* | 12,0 (1,2) | 13,1 (1,1) | 14,6 (1,8) |
Tratamento A vs. B | Tratamento A vs. C | Tratamento B vs. C | |
Diferença entre os tratamentos** | 1,2 (0,4-1,9) | 2,6 (1,7-3,6) | 1,5 (0,6-2,4) |
Valor de p†† | 0,004 | <0,001 | <0,001 |
Diferença relativa | Tratamento A | Tratamento B | Tratamento C |
Percentual de redução* | 79,9 (15,7) | 86,0 (10,7) | 86,0 (9,4) |
Tratamento A vs. B | Tratamento A vs. C | Tratamento B vs. C | |
Diferença dos valores percentuais**, §§§ | 6,2 (-1,9-14,2) | 5,7 (-2,0-13,4) | 0,5 (-6,1-7,1) |
Diferença ajustada pelo D0** | 1,1 (0,4-1,9) | 2,2 (1,3-3,0) | 1,0 (0,3-1,7) |
Valor de p‡ | 0,001 | <0,001 | 0,003 |
Desfecho: cicatrização completa | Tratamento A | Tratamento B | Tratamento C |
n (%) | 6 (24%) | 4 (16%) | 0 (-) |
Tratamento A vs. B | Tratamento A vs. C | Tratamento B vs. C | |
Diferença (%) entre os grupos** | 8,0 (-14,1-30,1) | 24,0 (3,6-44,4) | 16,0 (-0,1-32,4) |
Valor de p‡‡ | 0,477 | 0,015 | 0,057 |
Na primeira abordagem analítica, a verificação de diferença (ou de mudança) no status entre as situações se baseia na hipótese de que a média da diferença entre as medidas resulta um valor diferente de zero. Essa é a condição usualmente empregada em estudos exploratórios, porque não depende propriamente da dimensão da mudança, mas da probabilidade de se identificar alguma diferença entre as medidas dependentes.
Para a comparação frequentista entre pares de medidas quantitativas, são empregados os testes t de Student (para dados emparelhados) ou de Wilcoxon, dependendo da normalidade da distribuição das diferenças entre as medidas
Já a avaliação simultânea de mais de um par de medidas quantitativas do mesmo sujeito pode ser realizada pelo teste de análise de variância (ANOVA) de medidas repetidas ou pelo teste de Friedman, se a normalidade e a esfericidade (teste de Mauchly) dos dados não forem identificadas. Para a análise de múltiplas medidas ordinais e dicotômicas dependentes, devem ser empregados os testes de Friedman e Q de Cochran, respectivamente. Uma vez identificada a diferença em um desses testes de comparações múltiplas, é indicada a análise post hoc para evidenciar quais comparações são responsáveis pela diferença encontrada entre os tempos ou os grupos. Há diferentes procedimentos que visam minimizar o erro decorrente das múltiplas comparações sucessivas (por exemplo, Tukey, Bonferroni, Šidák, Scheffé, Ryan-Einot-Gabriel- Welsh Q [REGWQ], Dunnett, Games-Howell etc.) que seguem diferentes pressupostos teóricos, e tal escolha pode demandar a orientação de um estatístico experiente
No exemplo da
Nesse ínterim, a segunda abordagem analítica compara unicamente a mudança absoluta (por exemplo, subtração de antes e depois) entre os valores dependentes de diferentes grupos, permitindo a sua comparação entre medidas de séries longitudinais com mais de duas observações ou, ainda, a análise de ensaios com mais de um grupo avaliado com medidas dependentes.
Essa segunda estratégia reduz a complexidade da análise, e, já que se busca comparar exclusivamente a mudança absoluta dos valores, podem-se comparar as diferenças das medidas entre os grupos do estudo por testes estatísticos para amostras independentes, como o teste t de Student, o teste de Mann-Whitney ou o teste do qui-quadrado de Pearson, no caso de comparações entre dois grupos diferentes, ou a ANOVA, o teste de Kruskal-Wallis ou o teste do qui-quadrado para mais de dois grupos. Entretanto, no caso de séries longitudinais, com mais de duas avaliações temporais consecutivas em um grupo, os valores de mudança em relação ao status inicial ainda mantêm certa dependência entre si e devem ser avaliados pelas técnicas descritas na primeira abordagem analítica.
No exemplo da
Para lidar com essa contingência, a terceira abordagem analítica se refere à avaliação da mudança relativa das medidas dependentes. Ela utiliza os mesmos testes utilizados na comparação das diferenças absolutas, mas considera a variação relativa dos valores. Quando os dados do exemplo (
De fato, o percentual de mudança individual de um desfecho clínico é maior quando o valor basal é menor. Em tratamentos de obesidade, pacientes com maior massa corporal podem apresentar maior redução absoluta do peso, mas menor redução percentual quando comparados com pacientes de menor status ponderal anterior à intervenção.
Nesse caso, voltando ao exemplo da
A quarta abordagem analítica para medidas dependentes considera um desfecho fixo a ser atingido (por exemplo, normalização da pressão arterial, 50% de perviedade de fluxo, níveis de hemoglobina glicada < 7%, cicatrização completa da úlcera, ausência de claudicação após quatro quadras de caminhada). Do ponto de vista pragmático, os desfechos dicotômicos (chamados “duros”) têm seu significado bastante inteligível e transponível para a prática clínica, sendo frequentemente utilizados como os desfechos primários de ensaios clínicos. Desfechos dicotômicos são analisados por técnicas de comparação de proporções entre grupos, representados pelo percentual de eventos e seu intervalo de confiança de 95%
A análise de desfechos dicotômicos, como parâmetro de mudança na análise de dados com medidas dependentes, apresenta menor poder estatístico, demandando maiores amostras que as técnicas analíticas usadas nas situações anteriores, e depende fundamentalmente da condição prévia das medidas dos sujeitos. No exemplo da
Uma vez que todas as quatro abordagens analíticas são absolutamente corretas e justificáveis, deve-se ter ciência que elas podem levar a conclusões diferentes para o mesmo estudo. Portanto, é prerrogativa do pesquisador a definição dessa abordagem a priori, já que as técnicas de análise, os objetivos e as respostas obtidas são condicionadas pela estratégia utilizada
À medida que a estrutura dos dados do estudo adquire certa complexidade, como várias repetições, comparação de repetições entre grupos, dependência em mais de uma condição, status basal diferente entre grupos, esfericidade inadequada, necessidade de ponderação dos resultados pelo comportamento de outras covariáveis, estruturas de covariância entre as medidas menos usuais ou quando os tempos de seguimento longitudinal não forem fixos para todas as observações, a modelagem da análise deve ser conduzida por equações de estimativas generalizadas (GEE) ou modelos lineares generalizados de efeitos mistos. Essas técnicas podem ser adaptadas para analisar variáveis quantitativas unimodais (com distribuição normal ou assimétrica), variáveis tipo contagem e variáveis qualitativas ordinais, multinominais ou dicotômicas, o que torna a análise mais versátil e melhor ajustada aos dados
Da mesma forma, há desenhos analíticos que demandam o estudo simultâneo de diferentes variáveis do mesmo sujeito, gerando uma estrutura de dependência dentro do indivíduo, como ocorre em escalas de qualidade de vida que avaliam mais de uma dimensão (por exemplo, Venous Insufficiency Epidemiological and Economic Study - Quality of Life/Symptom [VEINES-QoL/Sym], Skindex-17), diferentes conjuntos de sintomas ou diferentes marcadores séricos secretados após um mesmo estímulo
Finalmente, ao passo que desenhos de estudos que envolvam dados com medidas dependentes aumentam o poder estatístico da análise, é necessária uma descrição minuciosa dos objetivos analíticos e as técnicas estatísticas empregadas, uma vez que isso implica diretamente no dimensionamento amostral e no tipo de resposta fornecida pelo estudo.
Abstract
Many different study designs involve the analysis of the same subject (or experimental unit) in different situations or under repeated conditions (Figure 1). This occurs in longitudinal time-dependent assessments (for example, before and after measures, clinical trials, studies of the progress over time of intervention),1,2 when measures of different areas of the same subject are assessed (for example, comparisons between adjacent structures: healthy vs. sick and split body interventions),3,4 or when measures are obtained from the same organism challenged by different stimuli (for example, response to drugs, temperature, or pain).5,6 Variables for which there is a link (whether temporal or organic) between different measures generate data that should be analyzed in a dependent manner (paired or correlated), which minimizes the variability between these measures, maximizing the analytical power, and requiring smaller sample sizes for statistical inferences. However, quantitative analysis of dependent data is sensitive to different analytical assumptions, which demands caution when choosing which statistical techniques to employ and when interpreting their results.7-9 ...
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Submitted date:
11/16/2022
Accepted date:
03/14/2023